domingo, 17 de dezembro de 2006

"Livro de Horas"

"Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais,
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser um anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser um monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui diante de mim!"

Miguel Torga, in O Outro Livro de Job

3 comentários:

Paulo disse...

Nas horas do quotidiano do imparável tropelo dos dias,encontramos blogues onde nos revemos, sempre com o espanto de nos surpreendermos magnificamente favorecidos.
É o caso do seu blogue. Obrigado.

Feliz Natal

Paulo Sempre
https://www.filhosdeumdeusmenor.blogspot.com

Zig disse...

Olá amiga! Só agora é que vi que voltaste a postar aqui!

Soube dessa surpresa que te fizeram há dias. A minha filhota não podia ir, por grande tristeza dela. De resto, isto já vai melhor???

Bem, o Natal já passou, resta-me apenas desejar-te um bom ano novo!

Beijinhos!

ciprita disse...

Obrigada pelos vossos comentários.
Os dias vão curando lentamente as feridas de uma "traição" de personalidade, foi um engano doloroso, mas diferente do usual...