quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

"Depois do adeus"

Depois do adeus


Todas as relações se alimentam de cumplicidades e de conflitos, de tranquilidade como de desassossegos, de paixão e de ternura. Nos movimentos de uma relação convivem pessoas com expectativas e com ritmos que, por vezes, se desencontram, e que nunca lucram da mesma forma com a vida com que ela os renova. Por isso, cada relação - por má que pareça a comparação - tem um "deve" e um "haver" e, "feitas as contas", para que viva e para que cresça, está subentendido que os ganhos que traz superem as perdas com que nos surpreende. sendo assim, não é verdade que todas as relações sejam para sempre. E compreende-se porquê.
Algumas pessoas tiram-nos muito mais do que nos dão. Porque a generosidade de quem está connosco choca com as suas dificuldades de nos conhecer, ou porque a relação se foi fraternizando a ponto de se tornar sonolenta e triste. A verdade é que há relações que vão morrendo devagar, e mais ou menos em silêncio. Até que algum acontecimento, de súbito, precipite uma "morte" que, desde há muito, se vinha pressentindo (por entre a perplexidade, mais ou menos embaraçada, de dois espectadores comprometidos).(...)
Como vê, nunca se passa - depois de um adeus- de um vínculo amoroso (magoado) a uma relação de amizade. (...)
Não espere, por isso, que das ruínas de uma relação se levante um oásis. Muito menos, que uma sucessão de desilusões se transfigure num sonho lindo. Dê tempo aos sentimentos para que se sedimentem. Não tanto para que perdoe a quem o magoou. Mas - mais dificil, certamente - para se perdoar a si próprio por não ter "dado ouvidos" aos avisos do seu "coração".
(...)
Antes de um divórcio duas pessoas estão divorciadas, sem darem por isso
(...) Antes de um divórcio, duas pessoas já se terão divorciado, sem darem por isso. Divorciaram-se de namorar com a vida e de dar, no seu dia-a-dia, a uma relação amorosa o protagonismo que ela deveria ter tido. embora o sintam assim, há quem só se divorcie por fora (nunca se separando por dentro), e quem se divorcie por dentro (sem que, jamais, se separe por fora). E há também, quem tente divorciar-se por fora e por dentro, embora um e outro movimento se não dêem ao mesmo tempo e ninguém se divorcie de uma vez.
Vistos assim, todos os divórcios serão, mais ou menos, litígios por mútuo consentimento.
(...) Mas o casamento, num plano jurídico, é um contrato em que, ao contrário de muitos outros, só se descobrem as "letras pequeninas", das cláusulas de excepção, à medida que elas se vivem. Daí que um casamento nem sempre expanda as pessoas ao encontro do melhor de si próprias, e algumas das "letras pequenas" que, supostamente, devíamos saber, apareçam aos poucos, para nossa surpresa, tantas vezes, na clandestinidade dos nossos pensamentos.
(...) Ninguém aceita divorciar-se sem que, antes, se tenha vindo a divorciar, por dentro, devagarinho.(...)
Prescindir de uma relação pode ser, também, uma determinação de alívio e, sobretudo, uma aposta de esperança. E podendo ser um litígio de comum acordo, traz consigo ressentimentos sinceros e outros que, talvez, escondam a revolta pela condescendência com que se guarda a mágoa pelo casamento ter deitado anos e sonhos a perder.
in Tudo o que o Amor não é , de Eduardo Sá

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